Na noite de 30 de outubro de 2025, enquanto os torcedores do Sociedade Esportiva Palmeiras celebravam a classificação para a final da CONMEBOL Libertadores — sua sétima vez na história —, o clube conquistava outro título, talvez ainda mais surpreendente: foi eleito a melhor instituição esportiva do Brasil pela revista Veja Negócios. A cerimônia, realizada no Palácio Tangará, em São Paulo, não foi apenas um reconhecimento de glórias esportivas. Foi a consagração de um modelo de gestão que desafia o tradicionalismo do futebol brasileiro.
Um clube que se comporta como empresa — mesmo sem ser uma
O Palmeiras não é uma empresa. Pelo menos, não legalmente. Mas, segundo Leila Pereira, presidente do clube desde 2021 e a única mulher a comandar um time da Série A, isso não impede que seja administrado como uma. "O Palmeiras é um clube sem fins lucrativos, mas é administrado como uma empresa", disse ela em entrevista à edição de outubro da Veja Negócios. E os números dão razão a ela.Em 2024, o clube registrou receita líquida de R$1,2 bilhão, lucro líquido de R$198 milhões e uma rentabilidade de 71,7% sobre o patrimônio líquido. Mesmo com um endividamento de 536,9% — alto, sim —, a margem líquida de 16,4% supera a média de empresas de consumo e até algumas de tecnologia. O estudo, feito pela Austin Rating, analisou mais de 10 mil empresas brasileiras entre 2022 e 2024. O Palmeiras saiu na frente, não por sorte, mas por estratégia.
Os três pilares do sucesso
Como? Segundo Amir Somoggi, diretor da Sports Value e consultor especializado em negócios esportivos, o modelo do Palmeiras se baseia em três pilares: estádio, sócios-torcedores e base.Primeiro: a Allianz Parque. Antes chamada Arena Palmeiras, a casa do clube não é só um estádio. É uma máquina de renda. Em dias de jogo, arrecada com bilheteria, camarotes, food trucks, estacionamento, lojas e até aluguel de espaços para eventos. Em 2024, as receitas de matchday ultrapassaram R$400 milhões — quase um terço do total. Nenhum outro clube do Brasil tem essa densidade de monetização em um único local.
Segundo: o programa de sócios-torcedores. Com mais de 140 mil associados, o Palmeiras criou um sistema de assinatura que gera receita recorrente — algo raro no futebol brasileiro, onde a maioria depende de patrocínios pontuais ou venda de direitos de transmissão. O clube vende não apenas ingressos, mas pertencimento. E isso fortalece a lealdade e a previsibilidade financeira.
Terceiro: as categorias de base. Desde 2013, sob a gestão de Paulo Nobre, o clube investiu pesado na formação de jovens. Resultado? Em 2024, vendeu 17 atletas para clubes no exterior, gerando mais de R$250 milhões. Entre eles, Endrick, que partiu para o Real Madrid por R$120 milhões — um recorde absoluto para um jogador sul-americano. "O Palmeiras arrecada tanto quanto o Flamengo, mesmo com torcida menor e menos apelo midiático", diz Somoggi. "Eles não dependem de fama. Dependem de planejamento."
Um legado que se repete
Este prêmio não veio do nada. Em 2025, o Palmeiras já havia conquistado cinco troféus no Prêmio Confut, o mais respeitado do futebol sul-americano. Também levou o Prêmio de Governança do Sport Insider e, pela sétima vez consecutiva, venceu o Programa de Excelência da Federação Paulista de Futebol. Esses prêmios não são apenas troféus. São certificados de que o clube cumpre padrões de transparência, ética e eficiência que raramente se veem no futebol brasileiro.Leila Pereira, que assumiu em 2021, não inventou nada. Ela aprimorou. "Trabalhamos com empenho e responsabilidade para que sejamos sempre competitivos", disse ela na cerimônia. E o que ela fez foi eliminar o que atrapalhava: interesses políticos internos, contratações por pressão da torcida, contratos sem análise financeira. "O clube não é um partido. É um negócio que precisa render para sobreviver e crescer", explicou.
O que isso muda para o futebol brasileiro?
O Palmeiras não é só um clube de sucesso. Ele é um modelo. E isso assusta. Porque, enquanto outros clubes vivem de empréstimos, penhoras de direitos e promessas futuras, o Palmeiras tem caixa, planejamento e resultados. Ele prova que é possível ser competitivo sem depender de dinheiro público ou de patrocinadores voláteis.Clubes como Corinthians, Flamengo e Santos ainda tentam se adaptar. Mas o Palmeiras já está em outro patamar. Ele não está apenas ganhando títulos. Está redefinindo o que significa ser um clube de futebol no Brasil. E isso pode mudar o jogo — literalmente.
Qual o próximo passo?
Agora, o clube mira a final da Libertadores. Mas, por trás das câmeras, já está estruturando o orçamento de 2026. A meta? Manter a rentabilidade acima de 65% e expandir o programa de sócios-torcedores para 200 mil membros. Também planeja abrir uma filial de gestão esportiva — um braço comercial que poderá replicar o modelo em outros clubes. Sim, o Palmeiras quer virar consultor de gestão.Frequently Asked Questions
Como o Palmeiras conseguiu lucrar tanto sendo um clube sem fins lucrativos?
Mesmo sem ser uma empresa, o Palmeiras adota práticas empresariais rigorosas: gera receita com estádio, sócios-torcedores e venda de jogadores, sem depender de patrocínios instáveis. Em 2024, teve R$1,2 bilhão em receita e R$198 milhões de lucro líquido, com rentabilidade de 71,7% sobre o patrimônio — números que superam muitas empresas de tecnologia e consumo.
Por que o endividamento alto não comprometeu o clube?
O endividamento de 536,9% é alto, mas foi usado para investimentos produtivos: construção da Allianz Parque, modernização da base e contratações estratégicas. O retorno desses investimentos superou os custos, e o clube mantém fluxo de caixa positivo. A dívida é estruturada, com prazos longos e juros controlados — diferente de clubes que contraem empréstimos para pagar salários.
O que faz Leila Pereira diferente de outros presidentes de clube?
Leila Pereira é a única mulher a comandar um clube da Série A e rejeita decisões baseadas em pressão política ou emocional. Ela prioriza dados, governança e longo prazo. Sua gestão eliminou gastos desnecessários, centralizou decisões e criou uma cultura de responsabilidade financeira — algo raro no futebol brasileiro, onde presidentes costumam ser figuras de poder, não gestores.
O modelo do Palmeiras pode ser copiado por outros clubes?
Sim, mas é difícil. Exige disciplina, transparência e coragem para cortar o que é popular, mas ineficiente. Clubes como Corinthians e Flamengo tentam, mas ainda dependem de patrocínios e vendas de direitos de TV. O Palmeiras, por outro lado, tem múltiplas fontes de receita e um sistema de governança que prioriza resultados, não popularidade.
O que significa o prêmio da Veja Negócios para o futuro do futebol brasileiro?
É um sinal de que o futebol brasileiro pode, e deve, ser mais profissional. O reconhecimento de uma revista de negócios como a Veja mostra que o esporte deixou de ser apenas paixão e passou a ser um setor econômico relevante. Isso pressiona outros clubes a melhorarem sua gestão — ou correm o risco de ficar para trás, financeiramente e esportivamente.